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Foto do escritorDaniel Conde

Em Alta Vitesse para o caixote do lixo

Naquilo que eu só posso descrever - com sentimentos mistos - de uma crónica de uma morte anunciada, foi noticiado na última semana de 2023 de forma muito sub-reptícia (ênfase em "muito") que o Governo não incluiu a proposta da Linha de Alta Velocidade (LAV) Porto - Bragança - Madrid nas ligações ferroviárias da Rede Transeuropeia de Transportes (RTE-T).


Até ao momento desconheço quaisquer declarações de responsáveis políticos no território sobre este assunto.


Rede Transeuropeia de Transportes / RTE-T
Rede Transeuropeia de Transportes / RTE-T

O que é a LAV Porto - Bragança - Madrid?


Fazendo uma rápida súmula sobre a LAV Porto - Bragança - Madrid, esta foi uma proposta gizada pela Associação Vale d'Ouro no âmbito das consultas públicas efectuadas para a elaboração do Plano Ferroviário Nacional (PFN), consistindo numa linha inteiramente nova a partir do Porto, passando por Vila Real, Mirandela, Bragança, inflectindo para Miranda do Douro, e entroncando em Espanha na já existente LAV Madrid - Sanábria - Corunha, em Zamora.


Comparação de tempos de viagem - LAV Trasmontana
Comparação de tempos de viagem - LAV Trasmontana

A proposta veio acompanhada de uma análise sobre os tempos de viagem, e uma insistente comparação entre os benefícios de ligar o Litoral Norte ao centro peninsular por esta via e não pela já multi-condenada ao fracasso LAV Aveiro - Viseu - Salamanca, em termos de população e tecido empresarial servidos por uma e por outra, com clara vitória para a via trasmontana. Esta é uma comparação lógica e necessária, mas creio ter havido demasiado foco nesta comparação, conotando-a quase como um casvs belli para a execução da alternativa trasmontana, numa estratégia que não fruiu bem.


Rede de Alta Velocidade Espanhola - Linha Madrid - A Corunha a rasar a fronteira trasmontana
Rede de Alta Velocidade Espanhola - Linha Madrid - A Corunha a rasar a fronteira trasmontana

Note-se que o projecto foi feito com rigor de engenharia, atendendo já a detalhes como raios de curva e declives de via, apresentando uma longa série de viadutos e túneis, expectáveis numa obra com estas características aliadas à orografia trasmontana. O que trouxe também o custo da obra para uns estratosféricos 4 mil milhões de euros - praticamente tanto quanto a LAV Lisboa - Porto, nos 4,5 mil milhões de euros.


Destaque ainda para a virtude desta proposta incluir um, ainda assim tímido e distorcido, piscar de olhos à Linha do Corgo e à ligação de cariz Regional que ligue a LAV a Chaves - sem nunca elaborar muito sobre o assunto, e registando durante 2023 uma desconcertante "necessidade" da Linha do Corgo levar um (valente) upgrade para velocidades de 160 km/h - a uma velocidade média de metade disso, o comboio já demoraria tanto tempo como um automóvel entre Vila Real e Chaves.



A recepção da LAV Trasmontana pelo Governo


O custo da obra, e, sobretudo, o custo de oportunidade da obra, fizeram-me sentir desde o início que este projecto não seria acolhido com entusiasmo pelo Poder Central. O próprio especialista em ferrovia Manuel Tão sublinhou desde o início dúvidas sobre a viabilidade de tal via. Meu dito, meu feito: o primeiro esboço deste traçado na apresentação do PFN parecia mais um decalque feito sobre a auto-estrada A4, do que propriamente uma nova via férrea - aliás, tinha até um sugestivo e esclarecedor enorme ponto de interrogação por cima.


Mas esse não foi o mais notório sintoma do evidente desinteresse do Governo por este projecto: a linha acabaria em Bragança, roubando-lhe a quase totalidade de tudo que a possa suportar, e ainda um gratuito "não será para transporte de mercadorias". Zero sentido, zero interesse.


O ano de 2023 começaria ainda com as duras declarações do Secretário de Estado Frederico Francisco (o responsável pela elaboração do próprio PFN) numa sessão em Bragança, de que nem o PFN começaria em Trás-os-Montes, nem tampouco havia o mínimo compromisso com Alta Velocidade neste território. Pior, que não seria no PFN que se aferiria se a LAV Trasmontana era mais viável que a alternativa por Aveiro - incompreensível declaração, e que incurável e tóxica fixação o PS tem por esta via, chumbada já duas vezes pelo Tribunal Europeu de Contas por falta de viabilidade.


Em suma, nunca em circunstância alguma o Governo demonstrou um grama de interesse que fosse pela LAV Trasmontana. O último prego sobre o assunto ficou cristalinamente demonstrado ao nem sequer incluir esta via na proposta portuguesa para a RTE-T.



Então, e agora?


O afastamento da LAV Trasmontana da RTE-T é praticamente um atestado, selado e autenticado, de que esta obra não obterá financiamento europeu. E ao não obter financiamento europeu, Portugal não tem capacidade para injectar 4 mil milhões de euros numa obra que não é prioritária, ao analisá-la em comparação com uma igualmente custosa LAV Lisboa - Porto, e com o já em construção Corredor Internacional Sul, que já assume as características de uma ligação ferroviária de alta prestação entre Portugal e Espanha.


O projecto está então morto e enterrado? Não. Existe todo um trabalho de lobby político e empresarial a desenvolver não apenas por actores fixados em Trás-os-Montes, mas na Região Norte como um todo, dados os benefícios por demais evidentes que englobam directamente todo o Grande Porto, e para lá dele.


Porém, para lá de todo o mediatismo que rodeou a LAV Trasmontana durante o primeiro semestre de 2023, com sessões públicas a decorrer em Bragança, Miranda do Douro, e Porto - Vila Real sempre distante e desinteressada de tudo o que rodeie ferrovia, numa postura quasi siderodromofóbica - o tema arrefeceu bastante desde então, e está neste momento congelado no polar sincelo trasmontano, com este novo, mas não surpreendente, balde de água fria.


Trás-os-Montes é uma neo colónia de Lisboa; não é exagerado ou gratuito dizê-lo. Se é para explorar recursos, existe uma avidez sôfrega dos Governos na capital em virem até cá. Mas, tirando as grandes obras rodoviárias, a pressa em dotar o território das capacidades instaladas necessárias à promoção da Coesão Territorial, da Descarbonização da Economia, e do quebrar de forma inequívoca o tabu de que este território é um finis terrae, essa é nula.


A LAV Trasmontana terá quem a defenda - espero. Preocupa-me mais é o profundíssimo desprezo que até os governantes em Trás-os-Montes nutrem pelas vias férreas da Malha Ferroviária do Douro, uma das quais, a Linha do Corgo, também incluída no PFN, a ser ufanamente convertida numa utilíssima ciclovia pelas autarquias locais.


Para essas, existe igualmente um caminho a percorrer, pois, no que à postura do Governo diz respeito em relação a Trás-os-Montes e aos compromissos aqui assumidos, nada é sagrado.

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